Como já afirmamos, a Tradição Vaishnava é monoteísta por excelência. Outra característica marcante do Vaishnavismo é que, baseado na revelação, nos é dada a noção de Deus como Pessoa, a Suprema Personalidade de Deus. Logicamente, não uma pessoa como nós- corporificada, condicionada, falível, efêmera, limitada, ignorante e sofrida-, mas uma Personalidade infinitamente superior a qualquer referencial humano- possuidor de qualidades ilimitadas e perfeitas, e destituído de qualquer indício de imperfeição ou limitação.
A conhecimento Vaishnava aceita que “ tudo provém de Deus.” Não existe uma dicotomia original de Bem e Mal, ou Deus e Satanás. Essas dualidades estão presentes no estado de existência em que ora vivemos. Em geral, o aspecto negativo da realidade é a ausência da contraparte positiva, assim como por exemplo, o fenômeno “escuridão” se dá quando a luz é bloqueada ou está inativa. O sofrimento, tido muitas vezes como uma imperfeição na criação de Deus, tem, com certeza, seu papel no teatro da vida e, muitas vezes, é aquilo que purifica, que nos faz ver a realidade e nos traz conhecimento e realizações mais profundas.
A morada do Senhor é o reino absoluto. O termo sânscrito que traduz isso é sat cit ananda, que significa, existência plena e eternidade (sat), consciência infinita (cit) e bem aventurança plena (ananda). A forma do Senhor é igualmente sat cit ananda.
Assim como na revelação cristã, a Tradição Vaishnava aceita que “Deus tem muitas moradas.” Além de muitas moradas, Ele possui muitas formas. Apesar de possuir inúmeras manifestações, Ele não perde Seu caráter de Ser Único e Uno.
De acordo com a revelação Vaishnava, Deus tem, basicamente, três aspectos: a) Seu aspecto impessoal (Brahman)- a energia cósmica, o somatório de todas energias, a Consciência Suprema, o Espírito Supremo; b) o aspecto imanente (Paramatma), que participa intimamente na manifestação cósmica material; e c) o Deus Transcendente (Bhagavan), a Suprema Personalidade de Deus, que atua num meio ambiente puramente espiritual.
Brahman é o suporte de tudo. Muitas religiões dão primazia a este aspecto impessoal de Deus. A doutrina Vaishnava, apesar de considerar esse aspecto do Divino, enfatiza o aspecto pessoal de Deus, pois só assim pode-se desenvolver um relação estritamente pessoal com Deus. Paramatma ou Superalma é o Deus Todo-Penetrante ou Onipresente, ciente, se isso for Seu desejo, da caída de uma mera folha seca ao chão em qualquer parte de Sua criação. Ele está presente no coração de todos. Ele é o Testemunha e o Sancionador. Para aqueles que são indiferentes à Sua presença, fazendo mal uso de seu livre-arbítrio, Ele simplesmente garante que haja justiça na hora da colheita daquilo que foi semeado. Mas àqueles que refugiam-se nEle, o Senhor no coração conduz a pessoa com segurança através do oceano da existência.
O Deus Trancendente, conforme se descreve nas Escrituras, manifesta-se, por sua vez, em diferentes formas- Rama, Krishna, Narayana, etc. Algumas dessas manifestações de Deus vêm a este mundo e aqui exibem certas atividades (lilas) cuja única finalidade é atrair as almas condicionadas para a realidade transcendental eterna. Esses são chamados de avataras. Embora convivendo por um período de tempo no seio da sociedade humana, esses avataras, como Rama e Krishna, não estão sujeitos às leis da natureza material e suas formas são imateriais e divinas.
Embora possuindo múltiplas formas, todas são manifestações do Deus Uno, como já dissemos. O devoto Vaishnava escolhe a forma de Deus que mais lhe inspire e, então, desenvolve sua devoção baseado nos preceitos das Escrituras. Cada manifestação de Deus tem características e humores diferentes e, conseqüentemente, a forma de devoção também varia em termos de sentimento e em seu aspecto formal e ritualístico.
Podemos classificar a devoção a Deus de duas formas: asvarya e madhurya. O Deus no aspecto asvarya é o Deus Todo-Poderoso, o Criador, o Senhor com opulências inconcebíveis. Ele é o Senhor Supremo Absoluto e diante dele o devoto é uma ser insignificante. Essa magnitude de Deus inspira respeito profundo e até temor. A devoção é solene, formal e ritualística. Já o aspecto madhurya permite intimidade entre o devoto e Deus. No caso da devoção a Krishna, o devoto pode desenvolver ambos os tipos de devoção. Caitanya Mahaprabhu foi um dos seres iluminados desse mundo que revelaram a devoção em intimidade, e esse tipo de devoção é dirigida a específicos aspectos de Krishna.
Dentre diferentes tipos de relações, essas três são as mais íntimas: amizade, amor da mãe para o bebê e amor conjugal. O Senhor Krishna aceita esses três tipos de relacionamentos amorosos, que devem ser, definitivamente, destituídos de qualquer conotação material e só é atingido num estado de consciência pura. O relacionamento amoroso conjugal é o mais rico e íntimo. Com base no princípio de que “tudo vem de Deus,” isso também deve estar necessariamente em Deus.
Essas manifestações de Deus na categoria de Deus Transcendente Pessoal possuem a contraparte feminina. A consorte de Krishna chama-se Radha, que é a personificação de Sua energia interna de prazer. Conhecer e apreciar os intercâmbios amorosos do Casal Supremo e desenvolver um sentimento e atitude devocional puramente espiritual, constitui um dos aspectos mais confidenciais da devoção religiosa chamada “Consciência de Krishna,” que nos foi revelada por Sri Caitanya Mahaprabhu.